A alta inflação no Municipalismo Brasileiro e uma proposta
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A alta inflação que hoje revisita nosso Brasil, como há décadas não fazia, traz enormes dificuldades para a administração pública, especialmente nas cidades, onde a escolha entre prioridades e recursos escassos é rotina.
Nesta última semana, durante o Encontro de Prefeitos em Brasília, muitos gestores discutiram os impactos da inflação em suas realidades locais e buscaram caminhos para superar o problema. Fernando Henrique Cardoso, em uma das valiosas tiradas intelectuais que nos deixou, anotou: “O problema da inflação é que, enquanto você dorme, ela se multiplica e regenera. E, enquanto ela avança, a capacidade de engajamento da sociedade para enfrentá-la diminui”. Após ficar rouco de tanto escutar o mito de Sísifo arrolado pelas prefeituras no Encontro Nacional desta semana, me ocorreu uma ideia: e se houvesse a criação de um Fundo de Estabilidade Municipal (FEM)?
A alta inflação tem um impacto profundo nas finanças municipais. Em primeiro lugar, com o aumento geral dos preços, as transferências federais e estaduais perdem valor. Isso significa que os orçamentos locais não conseguem mais atender às necessidades da população, que cresce a cada dia. Assim, os prefeitos se veem em um dilema: como atender a demandas crescentes por saúde, educação e infraestrutura com recursos cada vez mais limitados e literalmente corroídos pelo dragão?
A inflação impacta a arrecadação municipal. Muitos tributos são fixos ou ajustados de maneira que não acompanham a inflação. Isso resulta em uma pressão adicional sobre as contas públicas: enquanto os custos aumentam, as receitas não acompanham. Esse descompasso leva municípios a recorrer a dívidas, colocando em risco sua sustentabilidade financeira.
Durante o encontro em Brasília, ficou claro que os prefeitos estão buscando apoio e soluções inovadoras. A falta de recursos e a necessidade de se adaptar a um cenário econômico volátil foram os principais pontos discutidos pelos participantes.
As deliberações desse encontro que reuniu 23 mil pessoas, dos quais 3.500 eram prefeitos, enfatizaram a importância da colaboração entre diferentes níveis de governo e a urgência de políticas públicas que garantam uma estabilidade econômica para os municípios. Os prefeitos pediram um apoio mais robusto do governo federal e estadual, sugerindo, por exemplo, um aumento nas transferências que sejam corrigidas pela inflação. Outro tema destacado foi a necessidade de compartilhamento de experiências entre os municípios e a criação de mecanismos de crédito que ajudem os governos locais a enfrentar essa crise. A tecnologia também se mostrou importante, como meio de aumentar a eficiência e a transparência na administração pública.
Diante desse cenário desafiador, pensei numa sugestão: a criação do Fundo de Estabilidade Municipal (FEM). Este fundo funcionaria como um suporte financeiro essencial para os municípios em tempos de crise econômica, como quando a inflação está alta.
1. Fontes de Recursos: O FEM poderia ser financiado a partir de uma combinação de recursos, incluindo uma parte das receitas oriundas do pré-sal, tributos estaduais e federais, e até mesmo contribuições solidárias de cidades que estão em situação financeira mais saudável.
2. Mecanismos de Transferência: Utilizando critérios transparentes, o fundo realizaria transferências diretas aos municípios que mais necessitam, com base no nível de comprometimento orçamentário causado pela inflação. Isso pode ajudar a manter serviços essenciais funcionando, sem que os prefeitos precisem cortar gastos em áreas críticas.
3. Linhas de Crédito com Juros Baixos: O FEM também disponibilizaria linhas de crédito para que as cidades pudessem realizar investimentos estratégicos, como melhorias na infraestrutura e na eficiência de serviços. A ideia é que essas ações não só ajudem a reduzir os custos a longo prazo, mas também gerem empregos e estimulem a economia local.
4. Fomento à Inovação: Além disso, o fundo poderia apoiar projetos que visem à inovação e à sustentabilidade, dando prêmio ou incentivo a prefeituras que investissem em novas tecnologias e práticas que tornem a gestão pública mais eficiente.
5. Governança e Transparência: Para garantir que o FEM funcione de maneira eficaz, seria essencial estabelecer um comitê gestor composto por representantes do governo federal, estadual e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Esse comitê teria a responsabilidade de definir as diretrizes de uso dos recursos, acompanhar resultados e garantir a transparência nas ações do fundo.
A inflação galopante, que espreita nossa conjuntura atual, exige ações concretas e colaboração entre os diferentes níveis de governo. As discussões no Encontro de Prefeitos em Brasília deixam clara a necessidade urgente de uma abordagem integrada para proteger os municípios e os cidadãos que deles dependem. A criação do Fundo de Estabilidade Municipal poderia fornecer um suporte essencial para que as cidades consigam enfrentar situações adversas, garantindo a continuidade dos serviços e a qualidade de vida da população. Com essa solução, não só se promove a sustentabilidade financeira dos municípios, mas se constrói um caminho mais seguro e estável para todos.
E-mail do autor: rafacorradi@gmail.com