A tragédia no Sul, o que falam e o que não dizem

A tragédia no Sul, o que  falam e o que não dizem


Dificilmente encontraremos algum brasileiro que não saiba do acontecido no Rio Grande do Sul, nas últimas semanas. Está em todos os meios de comunicação, nas redes sociais, nas conversas dos amigos, nos encontros das famílias. Muito se tem dito e ouvido sobre o ocorrido. Com certeza, muita notícia falsa também, tem ocupado espaço, visto que após o surgimento da internet e as redes sociais, os “fofoqueiros” e irresponsáveis ganharam mais espaço. Ainda mais quando se sabe que a quantidade de acesso em uma postagem pode gerar monetização – isto é, dinheiro – para os ‘profissionais do online’ que grassam por aí como ervas daninhas, com as mais variadas denominações, grande parte se autodenominando ‘influenciadores’. Além dessas questões, temos visto ‘cobertura jornalística’ mais interessada em causar sensacionalismos, além é claro do trabalho sério de muitos profissionais, que estão lá, e cá, apresentando fatos e informações, para que o cidadão, por si mesmo, possa formar a sua interpretação sobre o que vê/ouve/assiste. 

Por outro lado, tem a questão política, que atua como pré-campanha de eleições próximas, ou mesmo formação de base eleitoral para disputas futuras. Se tem muita gente pensando em ajudar, e ajudando, tem também aqueles que usam de um ‘ato de ajuda’ momentâneo para criar uma imagem de bom cidadão/cidadã, mas que na verdade buscam retorno eleitoral, mais que tudo. Enquanto isso, a população gaúcha vai convivendo e sobrevivendo às enchentes, alagamentos, desmoronamentos e muitas perdas. A água do Guaíba, ou da Lagoa dos Patos, baixa um pouco, volta a chover e ela sobe novamente... Locais onde a água tinha escoado volta a alagar, o que havia sido salvo, corre novos riscos e a tormenta permanece para a população que demonstra uma resiliência invejável. Em quase todas as reportagens que acompanhei sobre a tragédia, ouvi pessoas atingidas afirmando que “graças a Deus, estamos vivos”, que “vamos recomeçar”, “refazer”, “reconstruir”, em uma demonstração quase inumana, de fé, de esperança, apesar do sofrimento.

Mas, infelizmente, é preciso abordar questões que não se fala, especialmente neste momento. Não que se queira buscar culpados, mas é urgente, é mais que necessário, trabalhar em cima das causas. Daquilo que provoca enchentes, não só no Sul do Brasil, mas em todo canto do País. É preciso atentar que, além das enchentes, convivemos com secas avassaladoras, com calor acima do normal e com frio cada vez mais ‘impiedoso’, com aumento de riscos de doenças, como é o caso da Dengue, ou de uma doença silenciosa, que vem crescendo em meio à população mundial, que é o diabetes. Ou a fome, o aumento da presença de andarilhos nas áreas urbanas... O aumento avassalador da violência, que não se resume mais aos grandes centros. E o que uma coisa tem a ver com a outra? Qual a relação destes problemas com as enchentes do Rio Grande do Sul? Questiono, e aponto a relação: a falta de planejamento, de ações reais voltadas para a prevenção, para o cuidado, para o combate aos riscos, que é, sabemos, mais barato do que o socorro de urgência quando ocorre a tragédia.

A questão ambiental, a exploração sob quaisquer pretextos e sobre quaisquer regras, exercida pelo poder dominante, seja ele econômico, financeiro ou político. Temos caminhado por uma trilha que acaba levando às tragédias, e isto pode ser visto claramente, quando se aprovam leis que aumentam o uso de agrotóxicos, ou quando optam pela designação de rio, para lago, como ocorreu no Guaíba, por parte do governo. “Lagos em área urbana, independente do seu tamanho, tem APPs (Áreas de Preservação Permanentes) de apenas 30 metros ao longo da sua margem, enquanto um rio do tamanho do Guaíba, teria uma APP delimitada em até 500 metros de dimensão, a partir da sua faixa”, é a informação que se encontra quando é buscada informação sobre o porquê de o governo do Rio Grande do Sul definir o Guaíba como lago, e não rio. Entenderam? Com essa ‘mudança de interpretação’, de ‘denominação’, abre-se a oportunidade de ‘usufruir’, de um grande espaço de terra para exploração econômica, mesmo que isso custe a retirada da proteção natural das margens do citado corpo d’água. Isso sem falar na ocupação do espelho d´água com aterramento para a implantação de projetos empresariais, como pode ser atestado através de mapas que registram as áreas do Guaíba, ao longo das décadas.

Mas não é só lá, no Sul. Quando se agride o ambiente, como temos agredido no Brasil, para favorecer a produção, o mercado, o poder econômico, seguramente o outro lado vai sofrer os reveses. E esse outro lado, somos nós, a população de forma geral. A produção de fortunas não pode ser a justificativa para a agressão ao meio ambiente, como vem acontecendo. Não se justifica cortar as árvores para produzir riquezas, sem limites. A riqueza é necessária, sim. E quando falo riqueza, lembro os gráficos do “mercado” – que é um ser inexistente, mas que nos comanda a todos, em tempos de economia acima de quaisquer questões. Riqueza, sim, mas não a qualquer custo, e na expectativa de gerar lucro tão-somente. É preciso parar para pensar, se vale a pena a busca pelo enriquecimento (ou seja, lá o nome que se dê, às vezes dizem “desenvolvimento”), a qualquer custo, desrespeitando todas as regras naturais. E as enchentes no Rio Grande do Sul são apenas um aviso, um fato, para nos alertar que não pode ser assim, como tem sido, a exploração do planeta, pelo homem-insaciável. Isso não pode ser apenas uma questão de ambientalismo, mas de sobrevivência. Estamos caminhando para um desastre ainda maior. Analisem sobre o que não está sendo dito, sobre essa tragédia. Pense naquilo que pode ser as causas. Precisamos parar de ser solidários só na tragédia, e sermos mais ativos na prevenção a elas. E agora, aqui, de imediato!

* Jornalista profissional, especialista

em Comunicação Pública. Membro da Academia 

Itaunense de letras – AILE, titular da Cadeira 26.