Dois mistérios
Este é mais um daqueles livros que li sem saber nada do escritor. Se valia a pena arriscar com um desconhecido eu não tinha ideia. Nunca tinha ouvido falar da obra em si, enfim, era um tiro no escuro. Mas sem deixar de sincero. Não comprei totalmente no escuro.
Estive na banca de revistas num dia de semana como de costume e fiquei ali no sebo improvisado, olhando aleatoriamente os livros que chegaram e de repente me deparei com este livro de bolso, capa de brochura, surrado e com as marcas do tempo, ou seja, manchas amareladas no corte devido a oxidação. Bem na capa estava a sua origem, era do CLUBE DO LIVRO. E para quem não sabe, esta era uma forma encontrada pelos editores de popularizar a leitura, e lembro-me que minha mãe chegara a fazer uma assinatura com o vendedor ambulante e assim formou-se lá em casa uma pequena biblioteca. Mensalmente saía a publicação de uma obra conhecida ou não do grande público, e era enviada aos assinantes, que pagavam um preço módico para ter o livro entregue em sua casa pelos correios.
Depois de reconhecer a editora, a garimpagem costumeira, levou-me às páginas internas onde vislumbrei no conselho de seleção, nomes conhecidos como: Afonso Schmidt, Paulo Arinos dentre outros... e continuando a inspeção da obra, então pude perceber que a tradução e revisão do livro era de José Maria Machado e Paulo Arinos. Foi então que decidi comprar, não sem antes ler a sinopse na contracapa que diz: “Nasci para ser detetive. Para mim, todas as coisas têm duas linguagens: a aparente e a oculta”. Daí em diante já estava fisgado, além do mais só me custaria R$ 4,00.
O autor William Sachelton continua um desconhecido, pouco sei dele a não ser suas próprias palavras, constante da nota explicativa. Tudo dá a entender que ele fora um detetive particular e que o romance policial em questão é de fato um caso real em que participara e que agora em forma de ficção nos mostra os meandros da mente ardilosa do ser humano, na tentativa insana de um crime perfeito.
O detetive viera de Londres, juntamente com os demais passageiros no trem via Calais (França), na sala em forma de ferradura, ocorria a fiscalização. Estava a serviço, pois a sua agência de detetives fora contratada pelos pais de um jovem para segui-lo em solo francês, porque na sua inocência, pensava que sua fuga com a namorada não fosse do conhecimento dos pais. Assim, após o desembargue ele se permitiu ficar por ali perambulando na alfândega sem perder de vistas o casal apaixonado.
Durante sua caminhada, enquanto os fiscais olhavam as bagagens de seus pupilos, pôde perceber que uma velha senhora e sua filha estavam diante de suas malas. A mulher mais velha, na casa dos cinquenta anos, era obesa, loira, tinha um rosto marcado pelo tempo, muito impaciente e voz estridente.
Estava particularmente aborrecida pelas formalidades alfandegárias, o que aborrece mesmo muita gente. Gesticulava muito, lamentava demais, resmungava com a empregada e dirigia impropérios aos funcionários de casaco verdolengo. A filha por sua vez, parecia desaprovar a mãe, tinha porte esbelto, era alta, trazia nas feições um ar mascarado e um certo ardor nos olhos negros.
“- Calma mamãe”
“- Oh! Ema, espero que não se lhes meta na cabeça abrir aquela mala preta!
“- Se me perguntarem direi que tem material fotográfico”
Logo toda aquela lamúria chamou a atenção do Chefe responsável pela inspeção da bagagem, que logo, arguiu se as inglesas tinham algo a declarar. A mãe deu-se pressa em responder dizendo apenas que tinha pouca coisa, passando enumerar objetos triviais e de pouca importância.
O funcionário francês tinha um rosto amarelado, carrancudo e ostentava um bigode rígido ... escutou atentamente, baixando os olhos para as malas, examinou em seguida a primeira mala, que tinha os cantos e a fechadura de latão e depois perguntou “et ça” colocando a mão sobre a outra volumosa mala.
A velha senhora apressou-se em dizer, esta, não monsieur, é dificílimo desamarrar as cordas.
Diante do nervosismo da mãe, a jovem em perfeito francês explicou que ficaria muito lisonjeada se abrissem qualquer outra mala, porque aquela deveras era difícil de se abrir.
Mas todo aquele nervosismo da mãe e a insistência da filha em não tocar na mala, acabou por levantar suspeitas e o funcionário respondeu que longe de ter a intensão de ofendê-la, ficara deveras interessado em abri a mala preta.
Enfim, agora muito mais que a alfandega, o detetive, que presenciara tudo aquilo, também estava curioso sobre o conteúdo da mala e mais seja o que for, gostaria de investigar os motivos e meandros daquela pantomima.
Caro leitor, posso assegurar que a leitura vale a pena, e aqui prevalece a máxima: nunca julgue o livro pela capa, porque se não fosse a inspeção inicial que fiz, jamais pela capa o haveria lido.