Em função da tragédia no Rio Grande do Sul. O desastre chegou aqui e a crise climática deixa de ser assunto distante

Em função da tragédia no Rio Grande do Sul. O desastre  chegou aqui e a crise climática deixa de ser assunto distante
Por Rafael Corradi Nogueira


A enchente de Itaúna tem uma causa mais ampla do que a ausência de medidas municipais paliativas. Nos próximos anos, pode piorar.

Religião e otimismo são questões de crença. O otimismo é uma crença, uma postura intelectual. Como Mahatma Gandhi disse, “Você deve ser a mudança que deseja ver no mundo”.  Crença precisa ser acompanhada de comportamento. O resultado sobre aquilo a que desejamos dedicar nosso otimismo não será criado somente pela crença. Ainda que a crença possa criar comportamento. Podemos trocar as lâmpadas incandescentes, comprar carros híbridos e instalar painéis solares em casa. No entanto, apesar de ser importante mudar as lâmpadas, é mais importante mudar as leis. Quando mudamos o nosso comportamento diariamente, algumas vezes esquecemos da parte da cidadania e da parte da democracia. Para podermos ser otimistas sobre isso, precisamos ser ativos como cidadãos em nossa democracia. Para resolver a crise climática, precisamos resolver a crise democrática. E nós temos uma. Esta reflexão pertence às conclusões de Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA. Compartilho neste artigo o pensamento dele, que é uma das maiores autoridades em estudos sobre mudança climática

Os conflitos militares são distribuídos em três categorias: batalhas locais, regionais, em teatros de guerra, e as raras, mas importantes, guerras globais, mundiais. Conflitos estratégicos. E cada nível de conflito requer uma alocação diferente de recursos, uma abordagem diferente, um modelo organizacional diferente. Desafios ambientais entram nas mesmas três categorias. Em geral pensamos mais nos problemas ambientais locais: poluição do ar, da água e depósitos de resíduos tóxicos. Mas também existem problemas ambientais regionais, como chuva ácida do sudeste brasileiro. A crise climática é o raro, mas importante, conflito global, ou estratégico. Tudo é afetado. Precisamos de uma mobilização mundial, global por energia renovável, conservação, eficiência e uma transição global para uma economia de baixo carbono. Podemos mobilizar recursos e determinação política. Mas a determinação política precisa ser mobilizada primeiro, para que possamos obter os recursos. 

Terra e Vênus têm exatamente o mesmo tamanho. Têm exatamente a mesma quantidade de carbono. Na Terra a maioria do carbono foi drenada da atmosfera com o tempo. E foi depositada no solo como carvão, petróleo, gás natural etc. Em Vênus, a maioria está na atmosfera. Contudo nossa temperatura é de 15 graus Celsius em média. Em Vênus, é de 457 graus Celsius. Vênus é três vezes mais quente do que Mercúrio - que fica ao lado do Sol, muito mais próximo do calor. Ou seja: Vênus é uma estufa mais potente do que a proximidade com o Sol. Na Terra, aos poucos, vamos jogando o carbono de volta à atmosfera e montando a nossa estufa aos poucos. A comunidade científica global diz que a poluição criada pelo homem, lançada na atmosfera, retém mais do infravermelho que devia sair. Todo mundo sabe disso. No último resumo do IPCC, os cientistas queriam registrar que o percentual de certeza era de 99%. Os chineses se opuseram, então ficou registrado em “mais de 90%”. 

As boas notícias: 68% das pessoas acreditam que a atividade humana é responsável pelo aquecimento global. 69% acreditam que a Terra está aquecendo substancialmente. Essa consciência é um progresso, mas: quando apresentamos uma lista dos desafios a confrontar, o aquecimento global está em penúltimo lugar. O que está faltando é um senso de urgência. Se você concorda com a análise real, mas não sente a urgência, aonde isso leva você? 

A luta contra a pobreza no mundo e o desafio de reduzir as emissões de carbono dos países ricos têm uma única solução: colocar um preço no carbono. Precisamos de um imposto sobre o CO2 para substituir impostos sobre incidentes emprego, impostos antigos que foram inventados por Bismark. Vale dizer que algumas coisas mudaram desde o século 19. No mundo pobre e nos países em desenvolvimento como o Brasil, precisamos integrar as respostas à pobreza com soluções para a crise climática. Planos para combater a pobreza em Uganda são discutíveis se não resolvermos a crise climática. Temos que encontrar uma maneira de criar, na geração dos que estão vivos hoje, um senso da missão de toda essa geração. É possível. Com o valor do que gastamos só durante uma semana na guerra do Iraque, poderíamos caminhar para a solução deste desafio. 

As pessoas respondem aos fatos perturbadores da crise climática dizendo: “Ah, é tão terrível”. É preciso reformular isso. Quantas gerações em toda a história da humanidade tiveram a oportunidade de encarar um desafio que compense todos os nossos esforços? Mude as lâmpadas, mas mude as leis. Mude os tratados globais. Precisamos nos manifestar. Precisamos resolver essa democracia. Temos esclerose na nossa democracia. Do nosso país e do mundo. E precisamos mudar isso. Use a Internet. Navegue pela Internet. Contate as pessoas. Torne-se um cidadão ativo. Exija uma suspensão. Não deve ser criada nenhuma nova usina que utilize a queima de carvão e que não consiga capturar e armazenar CO2. O que significa que precisamos construir rapidamente estas fontes renováveis. Ninguém está conversando nessa escala. 

O que é realmente necessário é um nível mais elevado de conscientização. É difícil criar isso. Existe um antigo provérbio africano que diz, “Se quiser ir rápido, vá sozinho; se quiser ir longe, vá acompanhado”. Precisamos ir longe, rapidamente. Portanto precisamos mudar a consciência. Uma mudança no compromisso. Um novo senso de urgência.