Falta projeto, sobra engodo...

Falta projeto,  sobra engodo...




Nos últimos tempos está complicado opinar sobre quaisquer que sejam os assuntos, sem correr o risco de “desagradar” um grupo. Instalou-se no País o “lado” que a pessoa deve estar. Ou ela se assume “de esquerda” ou caminha para o lado “da direita”. E criam até subcategorias, com referência a segmentos religiosos, segmento produtivo etc. Vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidentes e seus assessores diretos são escolhidos conforme a ‘linha política’ que ele diz defender. Na verdade, ocorre mesmo é um emburrecimento das pessoas que, no afã de afirmar que o seu escolhido é melhor do que o escolhido pelo vizinho, acaba por trilhar caminhos que não nos leva a nada, e apenas favorece àqueles que se locupletam no poder, a continuarem fazendo uso do dinheiro público como se deles fosse.

Ouvi um deputado da região, dia desses, fazendo propaganda do seu atual partido e me assustei de como me enganei quando, no passado, votei nele. Ao divulgar o partido, ele não falou sequer de um esboço de projeto que beneficie a população. Usou os 30 segundos da propaganda para afrontar o STF, que segundo ele estaria caminhando para apoiar “pautas da esquerda”, citando coisas como ‘liberação das drogas’ e ‘soltar preso para administrar o País’. Caso tivesse ouvido as asneiras de um eleitor, pessoa que precisa trabalhar para se manter e se informa a partir do que ouve por aí, pois não tem tempo nem recursos para buscar os fatos com a máxima isenção, tudo bem. Mas o grave da situação é que se tratava de um deputado federal, que recebe excelente salário para trabalhar em defesa de propostas que melhorem a vida do cidadão, (pelo menos deveria ser assim). Que tem a obrigação, até pelo cargo que ocupa, de deputado e de presidente estadual de um partido, de não faltar com a verdade, de não tentar criar uma situação de ódio, que tem se fortalecido nesta disputa imbecil de esquerda contra direita que a nada leva.

Ele sabe bem, ou deveria saber – e se não sabe deveria ter a vergonha de ser um deputado – que, no caso da soltura “do preso que foi ser presidente”, independente de gostar ou não do político, aconteceu porque quem o prendeu agiu com imprudência, não respeitou os trâmites legais e pulou etapas. O deputado deveria ler todo o processo que acabou por prender o atual presidente, e as medidas que levaram à sua soltura. Não foi “a Corte que o soltou”, mas os erros de um juiz que o mesmo deputado passou a defender e que agora finge que é inocente. Os autos estão lá e o deputado tem tempo e a obrigação de se informar do real ocorrido. É para isso, também, que conta com assessoria paga pelo dinheiro público. Para não deixar que ele diga bobagens, ou ele as diz porque quer assim. E aí, é pior ainda.

No outro caso, quando ele fala que o STF “quer liberar o uso das drogas”, no mínimo está dando uma outra direção à verdade do fato. O que ocorre é que o STF está julgando a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas. Este artigo afirma o seguinte: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Foi arguida a constitucionalidade deste artigo e o STF está julgando se ele é, ou não constitucional. Pelo placar atual, estava 5 a 1 pelo entendimento de que, sim, ele, o artigo, é constitucional. Pronto. A partir daí, é entendimento pessoal e esta não é a função do Supremo. 

Sobre o fato de liberar ou não liberar a droga, se quem é pego com um cigarro de maconha deve sofrer as mesmas penas de quem é pego com um quilo da droga, é definido em lei, que é votada pelos deputados, como o citado. Se existe dúvida do que eles aprovaram é constitucional ou não, aí sim o STF é acionado. Foi o que ocorreu. Decepcionante a postura do deputado. Deve ser porque não tem projeto, mas é mestre na arte do engodo. E assim, vamos passando os domingos...

* Jornalista profissional, especialista em comunicação pública, membro da Academia Itaunense de Letras – AILE.