Família é o que conta no final

Família é o que conta no final




Segundo Mark Twain: “Não há tempo, tão breve é a vida, para brigas, desculpas, desgostos, pedidos de satisfação. Há apenas tempo para amar, e apenas um instante, por assim dizer, para isso”. 

O que realmente faz a maior diferença na felicidade da gente, depois de décadas vendo os cabelos branquearem, alguns amigos partirem e muitos projetos pessoais se alternarem? Uma boa vida de dinheiro, fama e a reputação cuidadosamente construída para acariciarmos orgulho e vaidade? Robert Waldinger é o diretor do Estudo de Harvard mais longo de toda a história, sobre desenvolvimento adulto. Faz 75 anos que o projeto começou. Ele é o quarto no cargo. Há uma resposta segundo as 60 pessoas pesquisadas que ainda estão vivas do grupo de 724 iniciais, somadas a seus 2.000 descendentes incluídos nos questionários. A felicidade que buscamos durante toda nossa vida está nos relacionamentos pessoais sólidos, com quem acreditamos poder contar profundamente. Família e amigos.

A maior parte do que sabemos é um relato daqueles que vieram antes da gente e nos contaram sobre o caminho que percorreram. Nossa retrospectiva de vida é tudo menos precisa. Esquecemos grandes quantidades do que nos acontece e, às vezes, a memória é francamente criativa. A vida é feita de algumas dezenas de milhares de horas gastas em confrontos abastecidos por orgulho, intrigas destiladas por vaidade e atropelos provocados por ambições. De tempos em tempos, os pesquisadores de Harvard ligaram para o grupo de pessoas voluntário na pesquisa, tiveram acesso aos registros médicos, entrevistaram suas esposas e esposos. A estatística fez o resto. Metade das pessoas era do subúrbio menos abastado e a outra metade era da elite socioeconômica. Ao longo das décadas, algumas fizeram a jornada de uma condição financeira para outra. Há exemplo nas duas direções. Mas o que realmente influenciou na vida de cada um foram as conexões sociais e familiares. Não o tamanho da conta bancária ou o prestígio político e social delas. Gente com mais relacionamentos fortes e confiáveis (incluindo filhos, pais e irmãos) avançaram rumo a um cenário pessoal de melhores indicadores de saúde física e financeira. Eram mais felizes e, mesmo sob situações de dor, se mostravam felizes. De outro lado, pessoas solitárias, tiveram sua capacidade cerebral deteriorada em idades mais precoces, a senilidade mais severa e saúde física geral frequentemente mais frágil. Dores de causas similares eram relatadas de maneira mais intensa.

Robert Waldinger notou que não adiantava apenas possuir parentes e grupos de conhecidos. Um indivíduo pode ser solitário dentro de um casamento ou no meio de um grupo que se reúne semanalmente e que o chama de amigo. A verdade é que somos seres humanos, atraídos por soluções-relâmpago. Mas relações pessoais são sempre imprevisíveis, com idas e vindas. E o trabalho duro em dar o braço a torcer pela família, engolir o orgulho e cultivar os nossos não é uma postura sexy, nem glamorosa. Além de ser um trabalho infinito, que nunca acaba. Curiosamente, a pesquisa de Waldinger conseguiu mensurar que aqueles surpreendentemente comuns desentendimentos familiares, interferem na saúde de longo prazo do membro que escolhe definitivamente alimentar o distanciamento e fortalecer a mágoa. Não foi registrado um caso sequer em que dinheiro ou status social conseguiu interferir na senilidade precoce e no humor deteriorado desse grupo.

Graças a minhas duas filhas e minha amada esposa, sinto que a vida nos entrega diariamente a chance de experimentar a felicidade que nenhum grande projeto rebuscado entregará depois de anos. Não que a prosperidade deva ser desprezada. Devemos sim nos empenhar fortemente a nossos sonhos e ambições. Mas não mais do que à oração que fazemos diariamente abraçados à dedicação da complexa rotina familiar.