Irmã Dolores: Um Legado de Fé e Sacrifício

Irmã Dolores: Um Legado de Fé e Sacrifício
Charles Aquino


O relato detalhado deste momento final da vida de sacrifício e devoção de Irmã Dolores, foi cuidadosamente registrado pelo Padre José Netto em 1946:

“Confortada com os sacramentos da Igreja, e assistida nos seus últimos momentos por quatro sacerdotes, deu a alma a Deus, numa morte tranquila e santa, a Reverenda Irmã Dolores da Congregação das Irmãs Auxiliares da Piedade, falecida na Santa Casa, onde estava num leito e dores havia mais de 10 anos. Foi resignada em seus padecimentos, oferecendo tudo pela conversão dos pecadores, pela santificação dos sacerdotes. [...] Seu corpo tomara-se em ferida viva. Foi solenemente encomendada na capela da Santa Casa pelo Capelão Revmo. Pe. Ubaldo Silveira, na matriz pelo vigário e no cemitério pelo vigário cooperador. Foram celebradas 4 missas de corpo presente. Seu falecimento se verificou no dia 12 de dezembro deste ano, as 6h da tarde, quando os sinos anunciavam a hora de Ângelus.” 

A dedicação da Irmã Dolores, mesmo diante do sofrimento excruciante, serviu como um testemunho de sua devoção e sacrifício, servindo de inspiração e exemplo para todos que a conheceram.

Irmã Benigna: Devoção e

 Liderança de uma mulher negra

Negra e pobre enfrentou a rejeição da congregação inicial à qual procurou ingressar. Porém, uma virada ocorreu quando Dom Carlos de Carmelo Mota, nomeado Bispo Auxiliar em Diamantina, estabeleceu um vínculo com sua família. Reconhecendo a sua vocação, ligou-a às Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, onde encontrou o seu lugar e se dedicou a uma vida de santidade. Em 1935, Maria da Conceição Santos, devota de Nossa Senhora de Lourdes, tornou-se membro da Congregação. Em 1936, abraçou formalmente a obediência ao fazer seus votos religiosos iniciais. A partir desse momento, adquiriu o nome de Irmã Benigna Víctima de Jesus, marcando o início de sua jornada missionária ao se dedicar à prestação de serviços espirituais em áreas designadas pela Congregação.

Em 1941, participando de cerimônia em Itaúna, fez os votos perpétuos. Durante este significativo evento, a Superiora da Congregação e outras religiosas, estiveram presentes para testemunhar o seu compromisso. A partir de uma investigação realizada neste ano, com considerável abrangência, é altamente provável que tenha concluído com êxito um curso de três anos na “Escola de Enfermagem do Estado de São Paulo”, obtendo o prestigiado título de “Enfermeiro Prático Licenciado”. A conceituada instituição era conhecida pela adesão aos padrões de ensino europeus e norte-americanos, e havia uma lista de formandos daquele ano que incluía seu nome.

Em 1943, foi nomeada Irmã Superiora, onde atendeu diligentemente às necessidades de suas irmãs. Irmã Benigna, na qualidade de diretora da Santa Casa em Itaúna, criou uma maternidade dedicada a prestar assistência às mães desfavorecidas. Ela não apenas ofereceu apoio durante o parto, mas também transmitiu conhecimentos valiosos sobre a educação dos filhos, abrangendo aspectos como saúde, higiene, nutrição e cuidados emocionais. Em 1946, participou ativamente na cerimônia de lançamento da pedra fundamental do recém-construído edifício hospitalar em Itaúna, atualmente reconhecido como Hospital Manoel Gonçalves, abençoado pelo padre Waldemar Antônio de Pádua Teixeira e pelo padre José Ferreira Netto. 

Em 1947, Irmã Benigna concluiu seu mandato de doze anos como superiora do hospital, deixando uma profunda influência na comunidade itaunense e um legado duradouro de melhores serviços de saúde. Ao lado das Irmãs Auxiliares da Piedade, o seu compromisso compassivo em prestar cuidados humanos e eficazes contribuiu grandemente para o bem-estar dos doentes e desfavorecidos. No mesmo ano, em de 16 de novembro, registrou informações sobre os serviços prestados no Hospital de Itaúna ao longo dos anos — em 1943, o movimento do estabelecimento incluía 62 cirurgias de grande porte, 6.558 consultas, 7.861 curativos, 2.207 injeções, 366 pequenas cirurgias e 5.138 receitas. Em 1944 foram 8.376 consultas, 84 cirurgias de grande porte, 8.146 curativos, 6.796 injeções, 482 pequenas cirurgias, 8.167 prescrições. Em 1945 foram 7.849 consultas, 76 cirurgias de grande porte, 7.842 curativos, 6.425 injeções, 436 pequenas cirurgias, 7.948 prescrições. De 1946 até outubro de 1947 foram 8.264 consultas, 69 grandes cirurgias, 7.896 curativos, 5.904 injeções, 392 pequenas cirurgias, 6.948 prescrições.

Em 1948, Irmã Benigna Víctima de Jesus completou sua missão em Itaúna. Seu legado é definido pelo amor, fé e compaixão, que ela demonstrou através de dedicação inabalável e altruísmo. Uma das observações finais da Irmã capta o seu compromisso — “procurei cumprir o dever que me foi imposto como também na medida de minhas forças, mantive como foi possível a minha capacidade, a ordem e o respeito dentro do Hospital”.

Sua passagem por Itaúna foi marcada por um profundo impacto, consolidando-se como um período de significativa evolução e humanização no atendimento à saúde da comunidade. Os efeitos das ações caritativas estenderam-se além dos cuidados médicos para abranger a espiritualidade, atraindo inúmeras pessoas a procurarem consolo em Deus. No hospital, desempenhou com diligência todos os trabalhos essenciais, auxiliando os pacientes e seus entes queridos, oferecendo acomodações, sustento e encorajamento. Através da sua organização nas tarefas cotidianas juntamente com as orações, bem como da sua abordagem compassiva para com os pacientes, familiares e funcionários, ela irradiava a sua santidade, resultando numa multidão de conversões e num aumento de pedidos de orientação e intercessão. 

Na prática de enfermagem, demonstrou também um compromisso inabalável com o bem-estar dos familiares dos pacientes, garantindo-lhes muitas vezes auxílio no hospital ou na comunidade local, assegurando a sua proximidade durante o tratamento. Ela não apenas ofereceu provisões como alimentos, roupas e remédios, mas também deu orientações valiosas sobre como manter os cuidados adequados em casa. 

Irmã Benigna, uma líder negra e resiliente, transcendeu as dificuldades impostas pela pobreza para se tornar uma figura de grande impacto na sociedade. Desde jovem, demonstrou uma fé profunda e um desejo intenso de ajudar os mais necessitados, onde se dedicou a cuidar de doentes, idosos, órfãos e marginalizados. Ao enfrentar inúmeras adversidades com resiliência, nunca permitindo que as barreiras sociais a impedissem de cumprir sua vocação. Sua determinação em servir aos outros se manifestava em atos concretos de amor e caridade, evidenciando uma espiritualidade enraizada no serviço ao próximo. Ela não apenas atendia às necessidades físicas das pessoas, mas também oferecia conforto espiritual, promovendo a dignidade humana e a esperança. 

Nos registros oficiais do hospital de Itaúna, a dedicação da Irmã Benigna em manter a disciplina e a reverência dentro da instituição é expressa de forma eloquente, destacando a sua devoção, liderança e compromisso em cumprir diligentemente as suas responsabilidades. Nas décadas de 1930 e 1940, Irmã Benigna – uma mulher negra – deixou um legado imensurável de liderança e comprometimento não só na Santa Casa, mas no Município de Itaúna (MG).

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