Jerônimo e as três solteironas de Santanense

Jerônimo e as três  solteironas de Santanense




Se a canoa não virar

Olê! Olê! Olá!

Eu chego lá..........

Quem passou em frente ao Grêmio de Santanense naquela madrugada de domingo de carnaval não deixaria de cair na folia. O pequeno espaço do Grêmio estava lotado até na tampa e, o calor era infernal, com o povão se espremendo, se esfregando e sacolejando em volta do pequeno salão, num coro só:

Rema, rema, rema, remador

Quero ver depressa o meu amor

Se eu chegar depois do sol raiar

Ela bota outro em meu lugar!

Se a canoa...................

No palco, o pequeno conjunto musical dava o que tinha para manter o ritmo e a empolgação das centenas de pessoas, a maioria fantasiada, que cantarolava salão afora.

- “Aposto que o nosso baile está mais animado que o do Automóvel Clube, Flor do Momo e União Operário, lá em Itaúna!” - Exclamou o Freitas, enquanto tirava da boca por alguns instantes, o seu trombone de vara.

- “Carnaval igual a este do Grêmio não existe: o povo de Santanense sabe brincar!” - Retrucou o Dico do Alcindo, que não descuidava da marcação do seu surdo de primeira. Em volta da pista, assentadas em cadeiras encostadas nas paredes, ficavam as moças solteiras e descomprometidas, aguardando o convite dos rapazes para dançar. Na época, uma moça só ia para o salão dançar, se fosse convidada por algum rapaz. Caso contrário, tomava chá de cadeira a noite toda. E era um puxa e assenta frenético. Um olhar, um piscar de olhos, um sorriso correspondido e lá ia a moça salão afora toda feliz, cair na folia, sempre sob o olhar atento e severo dos pais.

- “Já são quase duas horas da madrugada” - falou a Marluce, já impaciente, para a irmã caçula Mariluce” - e até agora não fomos convidadas para dançar! - Vamos brincar juntas no salão?”

- “De jeito nenhum!” - Resmungou a Meireluce, a mais velhas das três irmãs solteironas, que acompanhava atentamente a conversa das duas irmãs caçulas, uma com 37 e a outra com 39 anos de idade.

- “Onde já se viu duas donzelas saírem para o salão sem um par para acompanhá-las? -Vocês sabem como este povinho de Santanense é danado de falador, né!”

E o baile continuava noite à dentro com toda animação.

                                         

Oh, jardineira por que estás tão triste?

Mas o que que foi que te aconteceu?

Foi a camélia que caiu do galho

Deu dois suspiros e depois morreu

Vem, jardineira...............

Como uma bendita chuva começou a cair a partir das três horas da madrugada, o forte calor foi amenizado e, a animação aumentou no acanhado recinto do Grêmio de Santanense, empurrado pela harmonia do bom conjunto musical. Já começava a clarear o dia, quando as três irmãs solteironas, Marluce, Mariluce e Meireluce, fantasiadas de Colombinas, se prepararam para se retirar invictas do recinto do Grêmio, isto é, sem serem tiradas para dançar uma única vez.

- “Vamos embora deste lugar!” - Falou a Meireluce – “Foi até bom a gente não ser chamada para dançar e se misturar com este povinho daqui de Santanense. Aqui eu não piso mais!” - Exclamou com o nariz empinado, tentando aparentar um ar de satisfação.

De sombrinhas em punho, rumaram em direção à Fazendinha que ficava à uns dois km do centro do bairro, onde residiam. Quando passavam em frente à portaria da fábrica de tecidos da Cia. Santanense, viram um vulto caído em meio a uma poça d’água. Condoídas e prestativas, mais do que depressa, encaminharam em direção ao desconhecido, receosas que o mesmo se afogasse naquele lamaçal. Quando se aproximaram viram que se tratava do Jerônimo, conhecido pinguço do bairro que tinha duas características principais: beber todos os dias e nunca tomar banho. Com muito esforço e repulsa, devido o forte odor que exalava, conseguiram virá-lo e colocá-lo assentado no encosto do meio-fio, com a cabeça apoiada no colo da Meiriluce, a mais velha das três irmãs.

- “Isto que é uma boa ação!” - Falou a Meireluce. “O pessoal do Grêmio deveria estar aqui para presenciar isto, e nos dar o valor que merecemos”.

Aos poucos, com ajuda de um lenço, foram tirando o barro grudado na barba do Jerônimo, bem como, limpando a baba que escorria pelo canto da sua imunda boca.

- “Coitadinho, se não fosse nós ele poderia ter morrido afogado!” - Exclamou a Marluce, sob os olhares de aprovação das duas irmãs mais velhas.

- “Quando ele acordar vai ficar muito agradecido e todos aqui no bairro ficarão sabendo! Aposto que até o Padre Luiz Turkenburg, Pároco da Igreja do Coração de Jesus de Santanense, vai comentar no sermão da missa de logo mais” - complementou a Mariluce, já entusiasmada com o tamanho do seu ato de caridade.

Nisto, o Jerônimo começou a se mexer, resmungou algo incompreensível, abriu os olhos empapuçados de tanta cachaça, passou a mão imunda na barba suja de barro, olhou fixamente para as três sorridentes solteironas em sua volta, suas velhas conhecidas, e fulminou: “Nossssaaaaa...! Qui isganação por causa de homi, sô!”.............     

                 

Membro da Academia Itaunense de Letras

Os livros: Causos Barranqueiros e Carnaval, 

uma explosão de alegria + causos, estão disponíveis na banca de Revista da Praça.