Lua mentirosa
Estamos no ano de 1943. O sul da Itália está ocupado pelos aliados, que avançam rumo ao norte. Os alemães assumiram a defensiva e os soldados italianos estão sob suas ordens. Isto fora arquitetado para conter a investida aliada numa contraofensiva orquestrada pelos nazistas, muito a contragosto dos fascistas. Neste cenário, Martim Bora, oficial nazista foi designado para investigar a morte de Vittorio Lisi, um político notoriamente corrupto.
É claro que as coisas não estão nada boas para ele, porque no momento, encontra-se hospitalizado e os ferimentos são de grande monta.
“_ Corragio, corragio.” Dizia o médico do hospital de Verona. O militar alemão fora alvo de uma granada, que fizera severos estragos.
Agora na mesa de emergência, o médico ordenara que lhe tirassem as botas. Sua perna esquerda pareceu rasgar-se com a remoção do couro rígido, como se lhe arrancassem os ossos do joelho, o sangue jorrava aos borbotões, enquanto o oficial alemão permanecia inflexível apesar da dor excruciante.
Retiraram as roupas, apalpando em seguida a virilha da pena esquerda. A dor foi tal, que arqueou as costas. “- Segurem-no, mantenham-no deitado! Disse uma voz. Vai ter que mantê-lo deitado, enfermeira”.
Dois meses depois, abriu os olhos e notou que estava prendendo o fôlego. Pode-se dizer, que se recuperara com bastante rapidez, mas, apesar disto, estava longe de poder voltar à ativa. As mutilações foram muito maiores que o esperado e ainda o faziam questionar os acontecimentos provocados pela explosão da granada em setembro.
Lembrava vagamente, que uma freira o despira e dera-lhe banho, achou que aquilo deveria ser para ela um suplício, tendo em vista seus votos, no entanto, era-lhe grato por isso. Fora anunciada que uma visita o esperava. Como escrevia, não hesitou em dizer que a fizessem entrar.
O recém-chegado era moreno, magro, de olhos negros perscrutadores e um bigode feito lagartixa sobre o lábio superior. A farda dava a entender se tratar de um oficial do Partido e a saudação não deixou dúvidas: - “Viva il Dulce”.
Bora achou melhor não responder, ficando totalmente indiferente, mas olhando-o atentamente, perguntou em seguida:
- “Em que posso ajudá-lo?
- Centurião Gaetano de Rosa, do batalhão Muti.
- Major Martin Bora, da Wehrmatch.
Passada as apresentações, percebeu se tratar de um italiano, que falava alemão fazendo um esforço demasiado para mostrar domínio do idioma. Momento em que Bora disse-lhe, porque não fala em italiano, surpreendendo inteiramente De Rosa, ainda mais por causa da desenvoltura do alemão na língua pátria. Apesar da decepção, porque perdera a oportunidade de exercitar seu alemão, resolveu que o melhor era ir direto ao assunto, porque o motivo de seu comparecimento ao hospital era para dizer-lhe que acontecera um assassinato.
Recebeu, porém, como resposta, que a polícia de Verona estava muito mais qualificada do que ele para fazer a investigação. O que Martim Bora não esperava é que o centurião De Rosa estivesse preparado para a recusa, tanto que trouxera consigo a carta de seu superior hierárquico, que o recomendava como auxiliar na investigação do assassinato do alto dignatário do Partido.
Temos aqui um carismático detetive militar da literatura, Martim Bora, que em tempos difíceis de guerra, completamente fora de sua terra natal, a Alemanha, em solo italiano, se vê ocupado em rastrear um assassino, que executara um político de prestígio do alto escalão do partido italiano....
A autora é a italiana Ben Pastor, nascida em Roma, já escreveu outros livros, não se tratando de uma desconhecida, nem mesmo esta obra é a de sua estreia. E se você pensa que será apenas mais um detetive para a vasta galeria existente, pode se enganar, porque ele é peculiar, não está na sua melhor forma física e pensando bem, sequer deveria deixar o hospital no estado em que se encontra. O personagem é inspirado no coronel nazista Claus von Stauffenberg, que sofreara mutilações no front Russo ao ser alvejado por uma granada, talvez você se lembre dele no filme Operação Valquíria, onde foi interpretado por Tom Cruise.
Outra pérola do livro é o nome Lua Mentirosa, uma referência do latim - Luna Mendax que se referia ao fato de que olhando a lua na fase minguante tem-se ela na forma de um “C” e diverso do que possa parecer ela está diminuindo e não aumentando. Ela está decrescendo, enquanto, que, na fase crescente da lua, ela tem uma forma de “D” e não está diminuindo, mas aumentando, por isso, ao olhar para o céu os romanos diziam lua mentirosa.
Literatura é cultura. Leiam isto faz bem.