O Calcanhar de Aquiles da Gestão Municipal no Brasil
Franco Montoro foi assertivo quando disse: ninguém vive na União ou no Estado, as pessoas vivem no município.
Nos últimos dez anos, o Brasil tem enfrentado um cenário complexo em relação à arrecadação e à distribuição de recursos federais para os municípios. Embora existam diversos programas de transferência de verbas destinados ao financiamento de saúde, educação, infraestrutura e assistência social, um expressivo volume de recursos não chega a ser utilizado por muitos municípios, especialmente os de menor porte. Essa situação se deve, em grande parte, à falta de capacidade técnica das administrações locais em realizar a articulação e a gestão do processo de solicitação, cadastramento e acompanhamento dos programas federais. Não basta apenas se cadastrar nos programas que existem. Os pormenores técnicos de projetos e o acompanhamento institucional junto ao governo federal são fundamentais.
Estudos e levantamentos realizados por órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) revelam que medidas de investimento em áreas cruciais, como saúde e educação, frequentemente são perdidas devido à ineficiência na gestão dos recursos. Um exemplo emblemático disso ocorreu em 2020, quando diversas prefeituras deixaram de captar cerca de R$ 2 bilhões em recursos provenientes do Fundo Nacional de Saúde (FNS) simplesmente por não conseguirem atender aos requisitos exigidos para a apresentação de projetos. Essa realidade se repete em diversas circunstâncias e categorias de programas federais.
A dificuldade gerencial é acentuada por fatores como a escassez de pessoal qualificado, a falta de conhecimento sobre os meandros institucionais e a complexidade dos processos de adesão aos programas. Para municípios que não possuem o aparato institucional das grandes capitais e com estrutura limitada, a burocracia é um entrave que muitas vezes transforma a expectativa em frustração.
Há exemplos concretos. Um é o do município de Candeias, em Minas Gerais, que enfrentou dificuldades em 2020 ao tentar acessar recursos do Programa Pró-Gestão no Saneamento, que visa melhorar a gestão de serviços de água e esgoto nos municípios. A prefeitura falhou em realizar a capacitação necessária para a equipe responsável pela elaboração de propostas. Como resultado, a cidade não conseguiu implementar melhorias urgentes na infraestrutura de saneamento, o que resultou em problemas de saúde pública, como surtos de doenças transmitidas pela água. Em 2018, São Gabriel da Palha, no Espírito Santo, deixou de utilizar verbas significativas do PAC devido à ineficiência na articulação dos projetos e ao não cumprimento das exigências de documentação e planejamento. A falta de planejamento adequado resultou em obras que poderiam ter melhorado a infraestrutura de transporte e saneamento no município. Em 2021, São Félix do Araguaia enfrentou dificuldades na execução do Programa de Vacinação contra a Influenza. A cidade não conseguiu concluir o cadastramento adequado no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), levando à não captação de recursos destinados à compra de vacinas e equipamentos de saúde. Em 2018, Taboão da Serra teve a oportunidade de captar recursos por meio do Programa de Apoio à Cultura para financiar um festival de artes cênicas que incluiria apresentações teatrais, dança e música, buscando valorizar a cultura local e estimular o turismo. A prefeitura, no entanto, enfrentou dificuldades na elaboração do projeto e na submissão adequada da proposta. A equipe responsável pela gestão cultural não possuía a experiência necessária para elaborar um projeto que atendesse às exigências do PAC, que incluíam a apresentação de um plano de execução detalhado, orçamentos e cronogramas de atividades.
É sempre uma boa ideia buscar colaboração com o governo federal, propor uma revisão dos processos burocráticos que envolvem a solicitação de recursos, tornando-os mais claros e simplificados. Mas há aspecto crucial que merece destaque e comumente é desconhecido ou relegado ao preconceito da falta de conhecimento sobre o assunto. Uma atuação de relacionamento institucional de alto nível e transparente em Brasília por parte dos municípios. Para isso, é necessário que os municípios estabeleçam conexões sólidas não apenas com autoridades e suas participações nas emendas orçamentárias, mas também em ministérios e entidades governamentais. O desenvolvimento de uma agenda propositiva pode levar à criação de canais diretos de comunicação e ao alinhamento de estratégias para garantir a destinação dos recursos. Os municípios precisam estar ativamente em audiências e reuniões em Brasília, apresentando demandas específicas e buscando apoio para suas causas.
De uma maneira geral, a ineficiência na gestão dos recursos federais nos municípios brasileiros tem se mostrado um obstáculo significativo nos últimos dez anos. Somente por meio de um esforço bem estruturado será possível transformar a realidade e garantir que os recursos federais cheguem efetivamente àqueles que mais precisam. O caminho a seguir envolve não apenas a competência técnica, mas também a construção de uma rede de apoio que una esforços e amplie as possibilidades de desenvolvimento municipal.