O Dilema do Encontro de Novos Prefeitos
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O Encontro de Novos Prefeitos (destaco o plural comum de gênero, para quem sentiu falta aqui do desnecessário, incorreto e redundante trecho “e prefeitas”, contida no título oficial do evento), que ocorrerá em Brasília na próxima semana, surge como uma iniciativa louvável do Governo Federal para estreitar os laços com os gestores municipais eleitos para o mandato 2025-2028. Entretanto, a realização de um evento dessa magnitude suscita uma série de críticas inevitáveis, principalmente à luz da histórica dificuldade nas relações entre municípios e a administração central. Para que se possa entender a profundidade desse desafio, é necessário observar dados históricos e a evolução do pacto federativo no Brasil.
Historicamente, o relacionamento entre municípios e o governo federal tem sido marcado por uma estrutura desigual. Os municípios, embora sejam a esfera mais próxima da população, frequentemente encontram-se subordinados às diretrizes e decisões tomadas a nível federal, que muitas vezes não consideram as especificidades locais. O Fundo de Participação dos Municípios (FPM), por exemplo, que deveria servir como um compensador entre diferentes regiões e realidades, é constantemente criticado por ser insuficiente e por não corresponder às demandas reais das cidades, especialmente aquelas com menores arrecadações.
Além disso, o recente arcabouço de programas federais muitas vezes não é acompanhado de uma verdadeira integração com as realidades locais. Os novos prefeitos, em sua grande maioria, terão a tarefa de implementar políticas que já se mostram descoladas das necessidades urgentes que enfrentam em seus municípios, além de possuírem conhecimentos limitados sobre a complexa burocracia do governo federal. As diretrizes apresentadas durante o evento, embora abrangentes, correm o risco de se tornarem meras diretrizes orientativas sem efetiva aplicabilidade no cotidiano municipal.
Entre os eixos temáticos propostos, como governança climática e serviços informatizados, percebe-se uma promissora tentativa de alinhamento com questões contemporâneas, no entanto, a experiência mostra que, sem um suporte adequado e sem acompanhamento contínuo, essas ações tendem a apenas riscar a superfície das demandas municipais. É fundamental que as propostas não apenas sejam discutidas, mas que haja um compromisso efetivo de implementação e acompanhamento por parte dos ministérios.
Para que o Encontro de Novos Prefeitos não seja apenas um evento pontual, mas um passo significativo para o fortalecimento da gestão municipal, sugiro a criação de Redes de Conexão e Suporte. Essas redes teriam como objetivo promover um acompanhamento sistemático dos prefeitos ao longo de seu mandato, facilitando a troca de experiências e a construção de soluções práticas para as diversas problemáticas enfrentadas.
Esse modelo envolveria três etapas principais: 1. Mentoria Contínua: Criar um sistema onde prefeitos experientes atuariam como mentores para os novos gestores. Esses mentores poderiam auxiliar na implementação de políticas públicas, fornecendo insights práticos e adaptados às realidades locais. 2. Plataforma de Interação Virtual: Desenvolver uma plataforma digital onde prefeitos pudessem compartilhar boas práticas, relatar desafios enfrentados e colaborar em soluções, envolvendo também técnicos das prefeituras e especialistas em áreas específicas. A inclusão de ferramentas de Inteligência Artificial poderia ajudar na análise de dados e na previsão de riscos e necessidades. 3. Espaço de Capacitação e Acompanhamento: Além das oficinas já previstas no evento, estabelecer um cronograma regular de capacitação ao longo do mandato, abordando temas que vão desde gestão financeira até inovação em serviços públicos, sempre com foco nas necessidades específicas dos municípios.
Essa abordagem não apenas fortaleceria a relação dos municípios com o governo federal, mas também estimularia uma verdadeira cultura de cooperação e aprendizado mútuo, integrando as demandas locais nas orientações e serviços ofertados pela administração central. Assim, o Encontro de Novos Prefeitos poderia se tornar um divisor de águas, não como um evento isolado, mas como parte de um contínuo e eficaz processo de gestão pública colaborativa. Que a próxima semana seja não apenas marcante pela realização do evento, mas também um ponto de partida para uma nova era nas relações federativas do Brasil, onde as vozes locais são ouvidas e consideradas efetivamente na construção de políticas públicas.