O homem que moveu as águas: Osmário Soares Nogueira

O homem que moveu as águas:  Osmário Soares Nogueira

Continuando a relatar, com minhas dedicadas palavras, o arcabouço precioso da pesquisa do Doutor Guaracy de Castro Nogueira – meu vovô Guará, trago ao querido leitor a terceira parte da história da Barragem do Benfica. Eis Osmário Soares Nogueira, o homem que moveu as águas.

Por vezes, o destino de uma cidade repousa nos ombros silenciosos de um homem só. Nem sempre com alarde, nem sempre com homenagens. Mas com a solidez de quem entende que servir é dever, e não conquista.

O nome do engenheiro Osmário Soares Nogueira pode não habitar os livros de história mais vendidos, mas está impresso com força no barro vermelho das margens do rio São João e na memória dos que viveram as grandes transformações de Itaúna. Sua história não é apenas a de um técnico obstinado, mas a de um homem que, mesmo diante de desafios descomunais, via no impossível apenas mais uma etapa do possível. 

Já era início dos anos 1960, e Minas Gerais, embora abundante em rios e potencial hidráulico, ainda caminhava com dificuldade rumo à modernização energética. A Companhia Industrial Itaunense, como tantas outras empresas do interior brasileiro, enfrentava os limites de sua própria época: usinas obsoletas, energia escassa e soluções caras. Foi nesse cenário que Dr. Osmário se debruçou sobre o problema com a determinação de quem não aceitava o marasmo como destino.

Tentou a Usina do Gafanhoto, buscou apoio técnico com colegas de Ouro Preto e até com o então presidente da CEMIG, Dr. Lucas Lopes. Enfrentou negativas, barreiras políticas, limitações técnicas. Mas como todo homem guiado por um propósito, soube recuar para avançar. Passou a estudar, com minúcia, os cursos d’água da região. E ali, no São João, entre curvas de relevo e silêncios de mata, enxergou a possibilidade de uma represa.

Não havia mapas detalhados, nem garantias. Havia topografia, havia fé, havia necessidade. Faltava energia, mas sobrava coragem. Propôs o aproveitamento das cheias, a criação de um reservatório. Convenceu céticos, inspirou técnicos. A barragem foi ganhando forma. No papel, nos cálculos, no concreto. E depois, em água.

Sim, houve enchente. Sim, a primeira tentativa provocou perdas. Mas o lago encheu. Transbordou. E onde antes havia estiagem e racionamento, passou a existir fartura de eletricidade. A água represada permitiu à indústria respirar, às fábricas pulsarem, às pessoas sonharem.

Não bastasse o feito técnico, Dr. Osmário ainda aceitou, em 1954, o chamado da comunidade para assumir a diretoria da Itaunense, após o falecimento de seu pai, Jove Soares Nogueira, também homem de coragem e serviço. Entrou para substituir, mas também para honrar. Na Assembleia que o elegeu, o apelo não foi apenas administrativo: foi um voto de confiança na seriedade e na ética de alguém que nunca buscou poder, mas sempre ofereceu solução.

Jamais quis ser reconhecido como o “pai da barragem”. Era modesto demais para isso. Mas todos sabiam. Sabiam do homem justo, do amigo leal, do servidor incansável. Sabiam do engenheiro que ligou, com suor e insistência, a Estrada do Minério à vida da cidade. Sabiam, sobretudo, da firmeza que não excluía a gentileza — aquela gentileza de quem, mesmo sendo firme em suas convicções, sabia perdoar os que o haviam ferido.

Sua grandeza não vinha do cargo, mas da disposição de cuidar do que era de todos. Não cultivava o ódio, dizia-se sempre disposto a esquecer agravos, mesmo os mais duros. Talvez por isso tenha sofrido mais do que o necessário. Mas, paradoxalmente, talvez por isso também tenha deixado um legado mais profundo do que os registros frios poderiam alcançar.

Hoje, quando vemos o lago refletindo o céu sobre Itaúna, talvez seja possível enxergar mais do que água. Talvez ali também estejam impressas a dignidade de um homem, a fé de uma geração, e o silêncio eloquente de quem soube construir sem alarde, transformar sem pretensão, e servir sem esperar aplauso.

Esse foi Osmário Soares Nogueira. Engenheiro, diretor, pai, cidadão. E, sobretudo, exemplo. Daqueles que movem as águas — e os corações.