O Professor, esse desvalido

O Professor, esse desvalido
Conceição Aparecida de Resende




Conheci ambiente escolar numa época sadia. Havia aula de religião, moral e cívica, O.S.P.B., trabalhos manuais, Educação física, além, de Português, Matemática e outras óbvias, ministradas até hoje. Comemorava-se Páscoa na escola com aparato, os desfiles de 7 de setembro eram realmente cívicos com fanfarras das próprias escolas, uniformes especiais, desempenho total dos professores de Educação Física no comando dos pelotões, exibição de balizas como verdadeiras artistas, (Meire Rose dentista que o diga). O rufar dos tambores, o hasteamento da bandeira, o Hino Nacional cantando a plenos pulmões em praça pública calavam fundo em nossos corações e as vezes até lágrimas rolavam furtivas.

Se alguém “zoasse” outros ficava tudo por contados arroubos da juventude, não era bullying. Se fôssemos punidos individual ou coletivamente, ninguém reclamava e pai nenhum aparecia na escola para cobrar satisfação.

Certa feita, a turma inteira foi intimada a voltar na escola em outro horário para escrever 200 vezes uma frase tipo: “Devo me comportar bem em sala de aula”. Cada dia era uma frase diferente para a gente não levar escrito de casa. A semana custou a passar.

Um dia alguém espirrou tinta da caneta tinteiro na parede e ninguém “dedou”. A parede foi pintada de novo e a despesa foi paga pela turma inteira.

Após uma festa para angariar dinheiro, as toalhas de mesa foram distribuídas para a gente lavar em casa. As alunas, mais afoitas, no intervalo de aula, jogavam as toalhas para cima, dizendo que na carteira onde elas caíssem a pessoa a pessoa deveria lavar. Foi uma algazarra geral e não vimos quando D. Maria Bacarini entrou. Foi o maior xingo e nossa notas foramdivididas por 2. Pai nenhum foi reclamar.

O agasalho de frio tinha de ser azul ou preto, caso contrário seria recolhido na portaria. Os alunos escondiam as blusas coloridas na pasta e entravam. Na sala vestiam. Quando descobriram essa manhã, foi decretado que as inspetoras de alunos verificassem na sala e recolhessem. Um dia D. Vicencinha foi na sala no horário do professor Ibsen Drumond e ele não permitiu o recolhimento dizendo que para o aluno aprender ele deveria estar bem fisicamente. O professor era uma autoridade na sala de aula. O professor Osvaldo Chaves não se separava de sua pasta de jeito nenhum. Se alguém o chamasse na porta ele ia atender levando a pasta. Inventamos que ele tinha um revólver na pasta.

O professor Lauro Antunes exigia que decorássemos até as vírgulas das anotações que ele passava no quadro sem copiar de nada. Ele era “fissurado” pelos Estados Unidos.

O professor Luís Otávio era meio gago e só ensinava gramática de Inglês porque se lesse texto a gente poderia aprender pronúncia errada.

A matemática não tinha a assessoria da calculadora. Sei os fatos fundamentais até hoje.

Líamos muitos livros da biblioteca D. Elina Dirce mandou ler Iaiá Garcia de Machado de Assis.

Como na biblioteca havia poucos volumes ela rifou o direito de ler o dela. Foi a 1° e última rifa que ganhei na vida, k,k,k.

Uma vez formada trabalhei como professora por 30 anos. Os alunos respeitavam a gente, os pais davam apoio. Em Itatiaiuçu a gente ganhava braçadas de palmas, abobrinhas, laranjas, doces, verduras, tecidos para fazer vestido, biscoito, anjinhos etc., etc., etc. As diretoras elogiavam o trabalho dos professores fazíamos feira de ciências, teatros, bailes, desfile de modas com crianças ou jovens, festas juninas que despertavam interesse no pessoal da redondeza toda. Exigíamos muito dos alunos e eles correspondiam. Aulas de Inglês não eram só para “inglês ver”. Os alunos faziam redação em inglês. Os alunos faziam vestibular em B.H. e passavam na 1° chamada. Uma aluna ainda no 1° grau ganhou 1° lugar num concurso de redação em nível nacional.

No final da minha carreira eu estava completamente desiludida, já aqui em Itaúna. O professor virou um desvalido. O aluno é contra ele, o pai aparece na escola para brigar, a sociedade é contra ele, o sistema também. O professor não tem apoio de ninguém, leva a culpa de todo fracasso educacional; até dizem que ele finge que ensina e o aluno finge que aprende. Exige-se preenchimento de fichas e mais fichas, os pais ameaçam professores os alunos não respeitam ninguém, os salários são baixos exigindo que o professor corra de uma escola para outra.

Não falo só de nossa cidade. O cenário nacional é desolador. Basta ver os noticiários. Ex-alunos entram armados na escola, matam professores e alunos inocentes...

Não tem mais feira de Ciências?

Não tem mais teatro?

Não tem mais aula de moral e cívica?

Não tem mais aula de artes, religião?

Não tem mais fanfarras?

Não tem mais desfile de 7 de Setembro com sentimento Cívico?

Computador e Celular substituíram tudo?

No Dia do Professor, os alunos imitavam a gente de forma caricata, focando nossos defeitos.

Até isso era proveitoso. Eles mostravam como eles nos viam. O Aluno de hoje nem sabe o nome do professor. “Em que espelho ficou perdido o meu rosto?” escreveu Adélia Prado.

Em que armário ficou perdido o professor? Pergunto eu.

Sei até hoje o nome da função de meus mestres: Prof. Willian Leão (Ciências), Nilo Caetano (Educação Física), Geraldo Santos (Francês), Osvaldo Chaves (Português e Latim), Marcilio Parreiras (Mat.), Dr. Virgílio Gonçalves (Biologia), Padre Luiz (Canto), D. Artumira (Trabalhos Manuais), D. Madalena (Português), Dr. José Campos (Psic.), d. Ilka Brandão (didático), D. Graciana (didática), D. Yeda (Mat.), D Maria Bacarini (Iniciação à Educação), Professor Ibsen Drumond (Português), D. Elina Dirce (Português), D. Celita Antunes (Higiene), D. Inês Cabanelas (Educação Física), Professor José Luiz (Inglês), Nívia Santiago (Filosofia), Sergio Santiago (O.S.P.B), Luiz Otavio (Inglês), Lauro Antunes (História), D. Rosina Percopi (Geografia), Dr. Guaraci (Mat.), Vicencinha, Josina e Maria Pedrosa (inspetoras de alunos); Norma (portaria) e José Correa (secretário).

Parece que o sistema educacional está atrasado em alguns séculos. As Bibliotecas morreram.

Os alunos não leem mais. Chegam a 6° série ou 6° ano (sei lá) sem saber ler ou fazer operações de Matemática.

Meu Deus! Quem se esqueceu do Candinho, da Elenice Tarabal, Solange Percopi, Professor Osvaldo, Maria José Saldanha, D. Artumira, Ibsen Drumond? Etc.

Eram sumidades no que faziam. Seus nomes estão escritos na alma de quem foi aluno deles.

Hoje a profissão perdeu seu encanto. Há honrosas exceções, mas o cenário é desolador.

O professor, esse desvalido...