O Xadrez e as memórias de Itaúna

O Xadrez e as  memórias de Itaúna

Em 2007, o cidadão José Maria de Aquino, o Bigode, escreveu o texto abaixo, contando suas memórias sobre o jogo do xadrez em Itaúna, destacando a participação e a importância do Miranda, da pastelaria, para a prática enxadrística no município. Narra desde os primeiros passos do jogo do xadrez para os itaunenses, quando aqui chegou pelas mãos de Kant Ruthier, e se estendeu por um sem-número de praticantes desta arte na cidade. Concluiu com uma justa citação ao professor Marquinho do Cepex, que ainda hoje luta para desenvolver o esporte/jogo em Itaúna. Vamos ao texto do Bigode:

Um breve relato da história do xadrez em Itaúna

* José Maria de Aquino (Bigode)

Não pretendo aqui neste relato ser o dono da verdade ou posar como historiador do jogo de xadrez em nossa terra. Antes gostaria de agradecer ao Sr. Miranda, pelo convite que muito me honrou para participar do seu livro. Aliás, os campeões itaunenses desta nobre ciência e arte, que é o jogo do xadrez, devem e muito ao Sr. Miranda o fato de o jogo ser hoje tão vivenciado, colocando Itaúna em destaque nacional e internacionalmente, pela performance de seus participantes, dos quais falarei mais adiante.

Infelizmente, em Itaúna, como também em outras áreas culturais, no xadrez nos falta dados, arquivos, memória. Que nos facilite a exposição de uma história mais próxima da realidade de outros tempos passados. Falarei do xadrez em Itaúna com base em algumas informações de pessoas que viveram há muito tempo a emoções de uma partida de xadrez, compartilhadas com amigos, parceiros, entre eles, nosso querido Dr. Zé Campos. Nas minhas experiências no tabuleiro, recorri à memória para relembrar algo do passado enxadrístico itaunense. Se não me falta a dita cuja (memória), lá pelos anos 50, o xadrez começou a ser praticado em Terra de Santana. Tenho informações que um dos pioneiros do jogo foi o Sr. Kant Ruthier, avô da Srª. Eliane, esposa do Dr. Clênio Coutinho. Para melhor nos situarmos, o jogo teve várias etapas até chegar hoje ao estágio que se encontra.

Contemporâneo do Sr. Kant Ruthier, Dr. José Campos, nos conta que frequentava, juntamente com outros enxadristas, “o clube dos itaunenses”, que ficava na rua Silva Jardim, nas proximidades onde hoje é a casa do Sr. Luís Fagundes. No local funcionava também uma alfaiataria, salvo engano, da família Athaíde Rosa. Ali se reunia a elite dos itaunenses. Falavam de política. Jogavam snooker (sinuca) e também xadrez. Nessa época, se destacavam Dr. José Campos, o próprio Ruthier, o Tarabal e o considerado o melhor deles: Dr. Romeu Scorzza, sogro de Cláudio Gonçalves (Cláudio da Caixa Econômica). Também Dr. Hélio e Dr. Farjado, que se digladiavam nos tribunais do júri popular, também se enfrentavam em grandes partidas que duravam horas e horas. Alternando sempre os vencedores.

Naquela época, aconteceu um fato interessante, que é importante narrar. O grande mestre internacional de xadrez, o imortal Allekine, em passagem pelo Brasil, jogou em Belo Horizonte uma simultânea [ocasião em que ele jogou com 12 (doze) adversários ao mesmo tempo]. Nessa simultânea participou o itaunense Dr. Romeu Scorzza, que foi um dos quatro que conseguiram um empate com o grande mestre. Os outros foram derrotados. Segundo o Dr. José Campos, que sempre conta isso, ele se proclamava muito bom no xadrez, desafiou o Dr. Romeu, em sua volta a Itaúna, para uma partida de demonstração. Para sua surpresa, Dr. Romeu lhe propôs jogar às “cegas”, ou seja, de costas para o tabuleiro. Alguém lhe falava as jogadas do Dr. Campos e ele, Dr. Romeu, lhes ditava as suas, sem olhar para o tabuleiro, é claro. E para o estupefato Dr. Campos e gáudio dos assistentes, saiu-se maravilhosamente vencedor. O Dr. Campos, até hoje, modestamente, reconhece que “não jogava nada de nada” comparado com o Romeu Scorzza.

Após essa brilhante fase, veio a época da panificadora Prado, de propriedade do Sr. Armando Rodrigues, ali na Praça da Estação. Precisamente na rua Professor Francisco Santiago. Era o local de encontro de várias pessoas conhecidas em nosso meio. Teodorico, Sr. Miranda, (que era o padeiro mor), João Ferreira e o ilustre e polêmico jornalista Sebastião Nogueira Gomide (Pio, fundador do Jornal Folha do Oeste – que hoje se tornou a FOLHA DO POVO), precursor do bravo e lutador, hoje extinto, Jornal Brexó.

Fazia parte dessa nova turma de debatentes também Cláudio Gonçalves e o sogro, Dr. Romeu, que se exibia no tabuleiro jogando peão coroado às cegas. O peão coroado consistia-se em um peão determinado por ele, que seria o que daria o xeque-mate. Sendo que o adversário, ao capturar o peão, seria vencedor da partida automaticamente. Invariavelmente, Dr. Romeu vencia todas.

Na sequência do tempo, veio o bar do Onofre Gonçalves, no bairro das Graças. Onde surgiram algumas “feras” do xadrez itaunense: Morelino, João Bicudo, Júlio Amaral, Clênio do Ivo do Hotel, Antônio “Navalha”, José Mariano Lopes, o Zinho contador e este modesto escriba.

Quando fechou o bar do Onofre, o xadrez quase parou, aí o Sr. Miranda, com meu tabuleiro e minhas peças, que foram presenteadas mais tarde ao seu filho Ilmar (Culei), colocou as mesas da sua pastelaria, O Barril, para que pudéssemos ali praticar o jogo. Nessa fase, incentivado pelo Zinho contador, que era amigo do Dr. Getúlio, o Roberto, filho deste último, com nossa colaboração, que naquele tempo ocupava o cargo de diretor do Sindicato dos Tecelões, conseguimos com o Sr. Raimundo de Freitas fundar o XEQUE-MATE XADREZ CLUBE DE ITAÚNA, com sede no salão do sindicato.

Dali surgiram grandes nomes do xadrez de Itaúna: Daniel Lima, Gueber Guimarães, Kenedy Matos, Welington, José Ângelo do INPS, José Juventino Jr. (que foi campeão em Brasília), Walter Ferreira Jr., grande mestre itaunense, campeão mineiro absoluto, campeão brasileiro estudantil e universitário.

A fundação Municipal de Cultura e Esporte, do secretário Marcos Elísio Chaves Coutinho, apoiou o xadrez e o clube chegou a ter uma sede no “edifício da Joia”, com um bom acervo de livros e jogos de peças. Extinta a fundação de cultura, o xadrez continuou ativo com o Walter fundando a academia de Xadrez “Cuca legal”, onde formou grandes campeões.

Hoje, o xadrez deve muito ao jovem Marquinho, Marco Elísio do Cepex, Centro de Estudo e Pesquisa do Xadrez, que tem colocado Itaúna em evidência nacional, formando brilhantes jogadores. Dentre eles o Daniel do Correio, hoje brilhante advogado, Medéia, Celinho fotógrafo, Serginho da Banca, Rafael Silva (O Gigante), como é carinhosamente conhecido, campeão sub-17, e o campeoníssimo Caíque Rêda, bicampeão mineiro e brasileiro sub-10. O Marquinho, através do CEPEX, mantém atualmente quase mil alunos nas escolas públicas e particulares de Itaúna e cidades vizinhas, como Mateus Leme, que podem contar com a dedicação e competência do Marquinho.

O xadrez e o futebol itaunense muito devem ao Sr. Miranda, que sempre incentivou o jogo, e hoje ainda coloca suas exíguas acomodações de sua pastelaria atual, na rua Manoel Gonçalves, para partidas entre ele e seus amigos enxadristas, não deixando apagar a chama.

* In memoriam: Bigode, como era conhecido o José Maria de Aquino, faleceu em 16 de novembro de 2024.