Para além da mesa do bar

Para além da mesa do bar




A doçura de uma boa reflexão pessoal tende a ser fruto do amargo das decepções. Curiosamente, é após eventos trágicos, dolorosos ou frustrantes que as conversas com algum significado ocorrem normalmente. Uma doença séria, a saída de um trabalho ou a morte de alguém próximo são ancoradouros de longos diálogos reflexivos. Essas coisas interrompem nossa rotina e escancaram o quanto a vida e a estabilidade podem ser fugazes. Conversar mostra que não estamos sozinhos. Grace Dailey nos ensina um fato intrigante. Em sua reflexão sobre o assunto, publicada em março de 2018, que esse tipo de conversa ainda tende a ocorrer não apenas na escuridão emocional, mas também na literal. Segundo sua pesquisa, é à noite, às vezes no jantar ou num bar, que as pessoas costumam ter suas conversas de significado mais profundo. Ninguém costuma acordar filosofando sobre o significado da vida no café da manhã. As pessoas se sentem mais reflexivas, pensativas, criativas, corajosas e vulneráveis é depois do pôr-do-sol. Robert J. Waldinger é professor de psiquiatria na Harvard Medical School e o quarto diretor do Harvard Study of Adult Development, um dos estudos mais antigos sobre a vida adulta já feito. Após 75 anos de observação e análise, o estudo tem mostrado que o caminho mais eficiente para a felicidade e a saúde pessoal são as boas relações. E a base delas são as conversas com significado. Mas, se elas tendem a ocorrer apenas na sombra da escuridão, emocional ou literal, qual a chave para saboreá-las de maneira mais corriqueira, fácil e acessível?

Primeiro passo é expandirmos o conceito de conversas significativas. Não é apenas falar sobre o sentido da vida, o amor, o universo etc. Isso é bom também. Mas um bate-papo profundo pode existir em trocas rápidas, debates amigáveis, interesses comuns, um gesto, um aceno silencioso. Apenas algo real que seja verdadeiro e que mostre a vontade verdadeira da conexão.

Antonio Porchia, um grande escritor argentino muito influente, mas extremamente sucinto, escreveu que “a confissão de um homem torna todos em volta humildes”. Conversas autênticas são abastecidas por pessoas que conseguem ser elas mesmas e escutar ativamente o que o outro é. Escutar de maneira ativa. Ser um bom ouvinte. Interessar-se pelo interlocutor de maneira sincera, saber expressar elogios honestos, conseguir se apresentar eficientemente. Não é necessário que você se abra vulneravelmente para todo mundo com quem conversar. Mas em razão de você não se sentir à vontade de abrir o coração inteiramente, você não precisa apenas se limitar a diálogos rasos sobre o tempo, sobre o campeonato de futebol ou sobre qualquer outro comportamento de falta de jeito. Quais características existem, afinal, em uma boa conversa de significado? Honestidade, engajamento e boa escuta.

Uma vida com mais conversas cheias de significado pode levar uma pessoa a ser mais feliz e mais saudável. Você pode acabar descobrindo um amigo em um estranho desconhecido ou um estranho desconhecido em um amigo. Olhe ao redor, olhe para frente, olhe para cima. A tecnologia tão útil nos celulares, aliás, ainda é um dos fatores que precisam ser considerados nesta caminhada. Ela nunca atrapalhou tanto as pessoas a se conectarem verdadeiramente em diálogos corriqueiros. Uma pesquisa recente mostrou o quanto alunos de uma colônia de férias sem aparelhos avançaram em suas habilidades interpessoais, quando comparados um outro grupo enviado junto com celulares. Nesse caso, mais do que aprendermos o caminho dos diálogos com significado, surge o exemplo que estampamos para os pequenos que nos rodeiam. Eles são parte de uma cultura futura em que esperamos enxergar uma população mais feliz e mais saudável.