Sonidos das fábricas

Sonidos das fábricas
Charles Aquino


O amanhecer era sinalizado pelas sirenes estridentes emanadas das tecelagens da Cia. Industrial Itaunense e Cia. de Tecidos Santanense. Esses sonidos estridentes e duradouros não apenas despertavam toda a cidade do sono, mas também iniciavam um espetáculo diário de trabalhadores caminhando para suas respectivas tarefas. Ressoando incessantemente dia e noite, as sirenes denotavam as transições entre os turnos, orquestrando a cadência de existência tanto dos operários das fábricas quanto dos moradores do entorno.

No município de Itaúna, Minas Gerais, o cotidiano dos moradores se confundia com a cacofonia das fábricas. Os passos agitados dos trabalhadores, as conversas das pessoas, os comandos autoritários dos supervisores e os zumbidos implacáveis dos “teares mecânicos”, compunham uma sinfonia das indústrias que moldavam a paisagem auditiva da cidade. Cada som desempenhava um papel distinto: as sirenes que acenavam e se despediam dos trabalhadores, os passos rítmicos que ressoavam pelas ruas e os zumbidos incessantes das máquinas que nunca cessavam as suas atividades.

No início, a paisagem urbana era acompanhada por tranquilos ruídos rurais ou por completo silêncio. No entanto, a criação da Cia. Tecido Santanense em 1891, no período em que a região era apenas um modesto vilarejo de Sant’Ana do Rio São João Acima, bem como a fundação da Cia. Industrial Itaunense, em 1911, trouxe notáveis transformações na composição econômica e demográfica. Consequentemente, surgindo o próspero município de Pedra Negra — Itaúna.

A presença das fábricas transformou a paisagem urbana, à medida que as sirenes penetrantes se tornaram uma presença auditiva avassaladora. Isso remodelou a percepção de tempo e espaço dentro da cidade. As sirenes serviam um duplo propósito – não apenas como cronometristas, mas também como instrumentos de controle, ditando os movimentos dos trabalhadores e consequentemente estabelecendo o ritmo da vida na cidade.

Os indivíduos que vivenciaram esta época em primeira mão, como narradores nas suas próprias recordações, consideraram o som das sirenes um emblema significativo e governante da sua existência quotidiana. Mesmo muito depois do fato, numerosos indivíduos afirmam que ainda conseguem ouvir “o apito da sirene nas suas mentes”, uma reverberação do passado que continua a prevalecer no presente. Estas memórias auditivas não são apenas pessoais, mas também comunitárias, construindo uma lembrança coletiva que contribui para a formação do sentido de identidade da comunidade.

Com uma precisão militar, as sirenes serviam como um rigoroso mecanismo disciplinar, monitorando meticulosamente a duração do trabalho. O toque retumbante do apito serviu como um lembrete constante aos trabalhadores, marcando o início e o fim dos seus turnos, garantindo a produção ininterrupta. Este sinal auditivo consistente estruturou eficazmente a vida dos trabalhadores, aos quais foram atribuídas responsabilidades distintas dentro das fábricas, cada uma contribuindo para a intrincada rede da produção têxtil.

Nas fábricas, indivíduos de diferentes gêneros e idades trabalhavam juntos, colaborando na fabricação ininterrupta de fios e tecidos. A sinfonia de sons produzidos por cada tarefa se fundiu, formando uma composição auditiva multifacetada que refletia a variedade de responsabilidades e trabalhadores envolvidos.

As sirenes emanadas das fábricas têxteis da Cia. Tecidos Santanense e Cia. Industrial Itaunense serviu a um duplo propósito – não apenas como meio de controle, mas também como elemento histórico e social na vida cotidiana dos moradores de Itaúna. Estas sirenes ditavam a passagem do tempo e regulavam o ritmo da vida. Hoje em dia, a lembrança destes sonidos serve como um lembrete nostálgico, fazendo a ponte entre o passado e o presente, preservando a recordação de uma época em que as fábricas e as suas paisagens auditivas tinham o maior significado para inúmeros indivíduos.